Texto de Ériston Cartaxo no Blog Sete Candeeiros Cajá

26/11/2010

Era porta, era pedra, era o fim do caminho...


Nos idos dos anos oitenta lá por volta das 21h00, sentados num banco que ficava exatamente em frente ao Banco do Nordeste - quando ainda funcionava na Praça João Pessoa - me encontrava c’uma “ruma” de asilados, quando chega a notícia de um acidente na estrada que liga São José de Piranhas à Cajazeiras, envolvendo um caminhão que transportava trabalhadores. O correio da má notícia chegava com detalhes, indicando que os acidentados foram transportados para o HRC (Hospital Regional de Cajazeiras), já tendo, inclusive, corpos na “pedra” do necrotério para serem identificados.
Como naquela época os acontecimentos em nossa cidade eram diminutos e a rotina se fazia costumeira, não pensei duas vezes, arranquei imediatamente em direção ao hospital para me certificar “in loco” sobre a veracidade do caso.
No caminho a notícia foi se consolidando, na subida da Rua Padre Rolim escutei tocar no rádio de uma casa próxima à Biblioteca Municipal uma musiquinha que se caracterizava na época como o prefixo da má noticia: “o que foi que aconteceu, nos vamos informar, a nossa reportagem vem ai para informar.”
Apressei ainda mais o passo ao saber que a história realmente tinha fundamento. Me aproximando do “nosocômio” percebi, esbaforido, a presença de muitos curiosos no local. No entanto, sabendo que o acesso para visitações não era permitido naquele horário, fui logo me dirigindo para a “pedra” do necrotério, sem imaginar que minutos depois aquele ambiente se transformaria num cenário de horror.
Lembro-me muito bem, jamais poderia esquecer, que o acesso ao local era bastante apertado, apenas uma porta servia como entrada e saída. O necrotério possuía duas pedras revestidas de azulejos brancos, uma ao lado da outra, restando apenas o espaço entre as duas – de mais ou menos 1 metro – para acomodar o monte de curiosos que por lá aparecia.
A fila já era enorme, parecia até a entrada no Cine Eden em dias de exibição do filme “Coração de Luto”. Imediatamente postei-me no fim da fila e fui captando paralelamente os mais diversos comentários sobre o acidente, várias versões sobre o caso, cada um apontando uma causa e especulando sobre o número de mortos.
A fila foi andando, andando... Quando finalmente chegou a minha vez de acessar o recinto, já avistei de prima os pés amarelados dos defuntos estirados na pedra. Fui entrando, sem demonstrar muito entusiasmo me mantive estrategicamente afastado, e com os olhos ligeiramente abertos assisti àquele lamentável espetáculo de horror.
Se o medo em mim já habitava, ficou ainda mais latente quando, de repente, achou de faltar energia no local. Meu amigo, foi um Deus nos acuda. Abruptamente, todos decidiram abandonar o local ao mesmo tempo, causando um enorme alvoroço. Eu, ainda franzino, sem a estatura necessária para resistir àquele tipo de situação, fui aos solavancos dos marmanjos mais robustos sendo passado para trás, sendo estupidamente recuado para o fundo da sala, ficando exatamente no espaço reduzido entre as pedras frias do necrotério.
Mesmo sabendo estar no meio das trevas, fechei os olhos e fui seguindo o cordão com o coração na mão e um grito contido na garganta. Quando finalmente consegui chegar à porta de saída, a um passo de alcançar a calçada, senti um puxavanco, algo forte e determinado me segurava pela camisa, não permitindo que eu seguisse adiante.
Eu tentava a todo custo me soltar, mas insistentemente a mão ainda mais firme segurava. As pernas tremiam, pensava naquele momento que era um dos defuntos que estava me segurando pela camisa. Na iminência de desmaiar, com o coração em disparada ouvi uma voz um tanto angustiada: “Neném, espere por mim!!!” Neném!!! Como eu não conhecia nenhum daqueles mortos, imediatamente percebi que aquilo se tratava de coisa de gente viva. Assim, a muito custo olhei pra trás e precariamente reconheci o cara que insistentemente segurava-me pela camisa: “Binha”, de Santo da Farmácia”. Ao invés de um santo milagreiro, um elixir capaz de aliviar aquele momento de tensão, me surge como trocadilho: “Binha, de Santo da Farmácia”. Puta que o pariu! Em outra situação até que voltaria pra tomar satisfação. Mas, como!? Sem a mínima condição de reagir, queria mesmo era abandonar aquele teatro de terror.
Quando finalmente alcancei o olho da rua, apontei em direção de minha casa feito um raio, e quando já alcançava a Rua Padre Rolim, bem em frente onde hoje funciona o Banco do Nordeste, ainda escutava a voz angustiada de “Binha, de Santo da Farmácia” vindo lá das bandas da escola de Dona Carmelita: “espere por mim, espere por mim.”
Quando cheguei em casa corri pro banho e tratei logo de lavar o meu calção para que minha mãe não percebesse que estava todo mijado. Depois, diversas vezes me encontrei com “Binha, de Santo da Farmácia”, tendo nos divertido bastante com aqueles momentos de extremo pavor.

Um bom final de semana para todos.

Eriston Cartaxo

Revisão: Mariana Gomes Cartaxo

Postado por Dirceu Galvão Marcadores: Nenen de Eudes Cartaxo

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